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A Necessidade do Diálogo Inter Religioso

Introdução

Hoje, as pessoas estão falando sobre muitas coisas: o perigo de guerra e os frequentes conflitos, a poluição da água e do ar, a fome, o aumento da erosão dos valores morais, etc.. Como resultado, muitas outras considerações surgiram: paz, contentamento, ecologia, justiça, tolerância e diálogo. Infelizmente, a despeito de certas promessas e precauções, aqueles que podiam atacar esses problemas tendem a fazê-lo procurando mais meios de conquista e controle da natureza e na produção de mais armas letais. O material obsceno está se espalhando através das massas, especialmente pela internet.

Na raiz do problema está o ponto de vista materialista que limita severamente a influência religiosa na vida social contemporânea. O resultado é o corrente perturbador equilíbrio entre a humanidade e a natureza e entre o homem e a mulher individuais. Apenas poucas pessoas parecem dar conta que a harmonia social e a paz com a natureza, entre as pessoas, e entre o indivíduo só podem ser conseguidas quando o reino material e o espiritual estão conciliados. A paz com a natureza, paz e justiça na sociedade e a integridade pessoal são possíveis quando alguém está em paz com o Céu.

A religião reconcilia os opostos que parecem ser mutuamente exclusivos: Religião-ciência, este mundo e o próximo, a natureza e os livros divinos, o material e o espiritual e o espírito e o corpo. A religião pode erguer uma defesa contra a destruição causada pelo materialismo científico, coloca a ciência em seu devido lugar e acaba com os conflitos duradouros entre nações e povos. As ciências naturais, que deveriam atuar como passos de luz orientando as pessoas a Allah, tornaram-se um motivo de descrença em escala previamente desconhecida. À medida que o Ocidente se torna a base principal dessa crença e porque o cristianismo tem sido a religião mais influenciada por ele, o diálogo entre muçulmanos e cristãos parece ser indispensável.

A meta do diálogo entre as religiões do mundo não é simplesmente destruir o materialismo científico e os destrutivos pontos de vista materialistas; ao contrário, a própria natureza da religião exige esse diálogo. O judaísmo, o cristianismo e o Islam, e mesmo o hinduísmo e outras religiões que aceitam a mesma fonte para eles, e inclusive o budismo, procuram a mesma meta. Como muçulmano, aceito todos os profetas e livros enviados para diferentes povos através da história, e considera crer neles como princípio essencial de ser muçulmano. O muçulmano é um verdadeiro seguidor de Abraão, de Moisés, de Davi, de Jesus e de todos os profetas (que a paz de Allah esteja com todos eles). Não crer em um profeta ou livro significa que a pessoa não é muçulmana. Assim, admitimos a unicidade e a unidade básica da religião, que é uma sinfonia das mercês e da misericórdia de Allah e da universalidade da crença na religião. Assim, a religião é um sistema de crença abrangendo todas as raças e todas as crenças, uma estrada de todos juntos em fraternidade.

Não importa como os aderentes melhoram sua fé em suas vidas cotidianas, os valores geralmente aceitos como amor, respeito, tolerância, perdão, misericórdia, direitos humanos, paz, fraternidade e liberdade são exaltados pela religião. A maioria concorda com a sublime precedência nas mensagens trazidas por Moisés, Jesus e Muhammad, (Alaihimus Salam) bem como nas mensagens de Buda e mesmo Zaratustra, Lao Tse, Confúcio e os sábios hindus.

Temos uma tradição profética quase unanimemente registrada na literatura tradicionalista que Jesus retornará quando se aproximar o fim do mundo. Não sabemos se realmente reaparecerá fisicamente, mas entendemos que no fim dos tempos, valores como amor, paz, fraternidade, perdão, altruísmo, misericórdia e purificação espiritual terão precedência, como aconteceu durante o ministério de Jesus. Além disso, porque Jesus foi enviado aos judeus e porque os profetas hebreus exaltaram esses valores, é necessário estabelecer um diálogo com os judeus bem como um relacionamento mais próximo e cooperação entre o Islam, o cristianismo e o judaísmo.

Há muitos pontos em comum para o diálogo entre devotos muçulmanos, cristãos e judeus. Como apontado por Michael Wayschogrod, um professor americano de filosofia, há tantas razões teóricas ou confessionais para muçulmanos e judeus se atraírem uns aos outros como há para judeus e cristãos se aproximarem.1 Além disso, pratica e historicamente, o mundo muçulmano tem um bom registro de tratar com os judeus: Não havia discriminação, nem holocausto, negação dos direitos humanos básicos ou genocídio. Ao contrário, judeus sempre foram bem-vindos nos tempos de distúrbios, como quando o Estado Otomano os acolheu depois de sua expulsão da Andaluzia (Espanha).

As Dificuldades Muçulmanas no Diálogo

Cristãos, judeus e outros podem enfrentar dificuldades internas no diálogo. Gostaria de fazer um breve estudo de certas razões porque os muçulmanos acham difícil estabelecer diálogo. As mesmas razões são responsáveis pela má compreensão do Islam.

De acordo com Fuller e Lesser, apenas no último século muito mais muçulmanos foram mortos por poderes ocidentais do que cristãos mortos por muçulmanos através da história.2 Muitos muçulmanos tentam produzir mais resultados compreensivos, e acreditam que as políticas ocidentais são designadas para debilitar o poder muçulmano. Essa experiência histórica leva mesmo muçulmanos cultos e cônscios a crer que o Ocidente continua seus mil anos de agressão sistemática contra o Islam e, o pior, com métodos mais sutis e sofisticados. Consequentemente, o apelo da Igreja por diálogo encontra considerável suspeita.

Além disso, o mundo islâmico entrou no século vinte sob o domínio direto ou indireto europeu. O Império Otomano, o defensor e o maior representante deste mundo colapsou devido aos ataques europeus. A Turquia seguiu as lutas dos povos muçulmanos contra as invasões estrangeiras com grande interesse. Além disso, os conflitos internos turcos entre o partido democrático e o partido popular em 1950 fez com que o Islam fosse considerado pelos conservadores e por alguns intelectuais como uma ideologia de conflito, de reação e um sistema político, em vez de religião destinada ao coração, ao espírito e à mente. Considerando o Islam como um partido ideológico em alguns países muçulmanos, inclusive na Turquia, contribuiu para essa impressão. Como resultado, os secularistas e outros começaram olhar todos os muçulmanos e as atividades islâmicas como suspeitas.

O Islam, também, é visto como uma ideologia política, pois foi o grande dinâmico nas guerras de independência dos muçulmanos. Assim, passou a ser identificado como uma ideologia de independência. A ideologia tende a separar, enquanto a religião significa esclarecer a mente juntamente com a crença, com o contentamento e a tranquilidade do coração, sensibilidade na consciência e percepção através da experiência real. Por sua natureza, a religião penetra as virtudes essenciais como fé, amor, misericórdia e compaixão. Reduzindo a religião a uma ríspida ideologia política e a uma ideologia de massa de independência ergueu barreiras entre o Islam e o Ocidente, e fez com que o Islam fosse mal compreendido.

O retrato do domínio histórico cristão ao Islam também tem diminuído a coragem dos muçulmanos com respeito ao diálogo inter religioso. Por séculos, os cristãos afirmaram que o Islam era uma cruel e distorcida versão do judaísmo e cristianismo, e o Profeta era um impostor, um mero ou engenhoso trapaceiro, o anti-Cristo, ou um ídolo adorado pelos muçulmanos. Mesmo livros recentes o apresentam como alguém com ideias estranhas que acreditava que teria de ter sucesso a qualquer custo, e recorreu a todos os meios para alcançar o sucesso.

O Diálogo é Imperativo

O diálogo inter religioso é imperativo hoje em dia, e o primeiro passo para o seu estabelecimento é esquecer o passado, ignorar os argumentos políticos e dar preferência aos pontos comuns que sobrepujam em muito os pontos polêmicos. No Ocidente, algumas mudanças de atitude podem ser vistas em alguns intelectuais e clérigos a respeito do Islam. Devo mencionar particularmente o Massignon, que se referiu ao Islam pela expressão: “A fé de Abraão (Alaihis salam) revivida por Muhammad (sallalláhu alaihi wa sallam)”. Ele acreditava que o Islam tinha uma missão positiva, quase profética no mundo pós cristão, uma vez que: “O Islam é a religião da fé. Não é a religião da fé natural em Deus dos filósofos, mas a fé no Deus de Abraão, de Isaac e de Ismael, a fé em nosso Deus. O Islam é um grande mistério da Vontade Divina.” Ele acreditou na autoria divina do Alcorão e na profecia de Muhammad (sallalláhu alaihi wa sallam).3

A perspectiva ocidental em nosso Profeta também tem abrandado. Juntamente com os clérigos cristãos e homens religiosos, muitos pensadores ocidentais ao lado de Massignon, como Charles J. Ledit, Y. Moubarac, Irene-M.  Dalmais, L. Gardet, Norman Daniel, Michel Lelong, H. Maurier, Oliver Lacombe e Thomas Merton expressam simpatia tanto pelo Islam como pelo nosso Profeta, e dão apoio ao diálogo.

Também, o que a declaração do Concílio Vaticano II, que começou com o processo de diálogo, disse a respeito do Islam não pode ser ignorado. Isso significa que a atitude da Igreja Católica em relação ao Islam mudou. No segundo período do Concílio, o Papa Paulo VI disse:

Por outro lado, a Igreja Católica está olhando para além dos horizontes da cristandade. Está se virando para outras religiões que preservam o conceito e o significado de Deus como Único, Transcendental, Criador, Soberano do Destino e Onisciente. Essas religiões adoram a Deus com sincera e devotada ação.

Ele também indicou que a Igreja Católica recomendou os lados religiosos humanos bons e verdadeiros:

A Igreja reafirma a eles que na sociedade moderna para salvar os significados da religião e servidão a Deus – uma necessidade da verdadeira civilização – a própria Igreja irá assumir o seu lugar como um resoluto advogado dos direitos humanos de Deus.

Como resultado final, a declaração escrita afirmou: “A Declaração a Respeito das Relações da Igreja com as Religiões não Cristãs”, que foi aceita no Concílio, declarou que:

No nosso mundo que se tornou menor e em que as relações se tornaram mais estreitas, as pessoas esperam da religião respostas a respeito dos enigmas da condição humana, os quais, hoje como ontem, profundamente preocupam seus corações: que é o homem? qual o sentido e a finalidade da vida? que é o pecado? donde provém o sofrimento, e para que serve? qual o caminho para alcançar a felicidade verdadeira? que é a morte, o juízo e a retribuição depois da morte? finalmente, que mistério último e inefável envolve a nossa existência, do qual vimos e para onde vamos?      

Após indicar que as diferentes religiões tentam responder essas questões a seu próprio modo, e que a Igreja não rejeita todos os valores das outras religiões, o Concílio encoraja os cristãos a terem diálogo com membros de outras religiões:

Exorta por isso seus filhos a que, com prudência e amor, através do diálogo e da colaboração com os seguidores de outras religiões, testemunhando sempre a fé e vida cristãs, reconheçam, mantenham e desenvolvam os bens espirituais e morais, como também os valores sócio-culturais que entre eles se encontram.

Outro importante ponto é que o Papa João Paulo II admitiu em sua “Cruzando o Limiar da Felicidade” que (apesar da negligência e indiferença muçulmana), são os muçulmanos que adoram da melhor e mais cuidadosa forma. Ele lembrou seus leitores que, nesse ponto, os cristãos deveriam tomar os muçulmanos como exemplo.

Além disso, a resistência islâmica à ideologia materialista e seu importante papel no mundo moderno têm assombrado muitos observadores ocidentais. As observações de E.H. Jurji são muito significantes aqui:

No seu auto-respeito, na sua auto manutenção e o zelo realístico, em sua luta pela solidariedade contra o racismo e as ideologias marxistas, em sua vigorosa denúncia de exploração, como é na divulgação de sua mensagem a uma obstinada e sangrenta humanidade, o Islam enfrenta o mundo moderno com o peculiar senso da missão. Não confuso e não arrasado pela massa de sutilezas teológicas, nem enterrado entre um pesado fardo de dogmas, esse senso de missão tira sua força de uma completa convicção de relevância do Islam.5

Os muçulmanos e o Ocidente têm lutado entre si por quase 1400 anos. De uma perspectiva ocidental, o Islam ameaçou e abriu muitas portas ocidentais, fatos que não foram esquecidos. Isso diz: o fato que essa luta está levando os muçulmanos a se oporem e indignarem-se com o Ocidente não irá nunca beneficiar o Islam e os muçulmanos. Os transportes modernos e a comunicação de massa tornaram o mundo numa aldeia global em que cada relação é interativa. O Ocidente não pode exterminar o Islam ou os seus territórios, e os exércitos muçulmanos não mais marcham sobre o Ocidente.

Além do mais, como esse mundo está se tornando mesmo mais global, ambos os lados sentem a necessidade de uma relação toma lá dá cá. O Ocidente tem supremacia científica, tecnológica, econômica e militar. O Islam, porém, possui fatores mais importantes e mais vitais: O Islam, como é apresentado pelo Alcorão e pela Sunna, reteve o frescor de suas crenças, a essência espiritual, os bons atos e a moralidade como o fez nos últimos quatorze séculos. Além disso, possui o potencial de insuflar o espírito e a vida nos muçulmanos, adormecidos por séculos, bem como em muitos outros povos mergulhados no pântano do materialismo.

Como a religião não escapou ainda das investidas furiosas da descrença baseada na ciência e na filosofia, ninguém pode garantir que essa tempestade não mais soprará com mais força no futuro. Esses e outros fatores não permitem aos muçulmanos verem e apresentarem o Islam puramente como uma ideologia política ou um sistema econômico, nem permitem aos muçulmanos considerar o Ocidente, o cristianismo, o judaísmo e mesmo as outras grandes religiões, como o budismo, de uma perspectiva histórica e define sua atitude de acordo com elas.

Quando aqueles que adotaram o Islam como uma ideologia política, em vez de uma religião em seu verdadeiro sentido e função revejam suas auto proclamadas atividades islâmicas e atitudes, especialmente seus políticos, descobrirão que a força propulsora é geralmente pessoal ou motivada por irritação nacional, hostilidade e algo similar.

Se esse é o caso, devemos aceitar o Islam e adotar uma atitude islâmica como o ponto inicial fundamental para a ação, em vez da situação opressiva existente. O Profeta (sallalláhu alaihi wa sallam) definiu os verdadeiros muçulmanos como aqueles que são os mais fidedignos representantes da paz universal. Os muçulmanos viajam a todo lugar com seus sublimes sentimentos que acalentam profundamente em seus espíritos. Ao contrário de infligir tormentos e sofrimentos, são lembrados como símbolos de garantia e segurança. Em seus olhos, não há diferença entre a violação física ou verbal, tais como calúnia, falsa acusação, insulto e exposição ao ridículo.

O nosso ponto de partida deve ter bases islâmicas. Os muçulmanos não podem agir com padrões ideológicos ou políticos e então vesti-los com o manto islâmico ou representar meros desejos como ideias. Se podemos sobrepujar essa tendência, a imagem verdadeira do Islam irá ser conhecida. A imagem distorcida atual do Islam que resultou de seu mau uso, tanto por muçulmanos como por não muçulmanos para o seu próprio objetivo, assustam tanto muçulmanos como não muçulmanos.

Sidney Griffith aponta um importante fato de como o Ocidente vê o Islam: Nas universidades americanas, o Islam não é ensinado como ma religião em escolas teológicas, mas como um sistema político nas ciências políticas ou departamentos de relações internacionais. Essa percepção também é encontrada entre os segmentos ocidentalizados do mundo islâmico e os não muçulmanos na Ásia e na África. Suficientemente estranho é que muitos grupos que se colocam sob a bandeira do Islam exportam e realmente fortalecem essa imagem.

O Apelo Universal do Islam Para o Diálogo

Quatorze séculos atrás, o Islam fez o maior apelo ecumênico que o mundo viu. O Alcorão chama os povos do Livro7:

Dize-lhes: Ó adeptos do Livro, vinde, para chegarmos a um termo comum, entre nós e vós: Comprometamo-nos, formalmente, a não adorarmos senão a Allah, a não Lhe atribuirmos parceiros e a não nos tomarmos uns aos outros por senhores, em vez de Allah. Porém, caso recusem, dize-lhes: Testemunhai que somos muçulmanos.” (3:64).

Esse apelo feito no nono ano da Hégira começa com (não!) na declaração de fé: Lá illaha illalláh (Não há outra divindade além de Allah). Mais do que uma ordem para fazer algo positivo, é um chamado para não se fazer certas coisas. Assim, aqueles seguidores das religiões reveladas podem sobrepujar sua mútua separação. O apelo representa o estado mais amplo em que os membros de todas as religiões possam aceitar. Em caso de ser rejeitado o apelo, os muçulmanos não eram responsáveis: “Vós tendes a vossa religião e eu tenho a minha.” (109:6). Isto é, se vocês não aceitarem esse apelo, nós nos rendemos a Allah. Vamos continuar na senda que aceitamos e deixamos vocês seguirem a sua própria senda.

Elmalili Hamdi Yazir, um turco famoso interpretador do Alcorão, fez as seguintes interessantes observações a respeito desse versículo:

Ele mostrou como várias consciências, nações, religiões e livros podem unir em uma consciência essencial e palavra da verdade, e como o Islam mostrou ao domínio humano uma ampla, aberta e verdadeira senda da salvação e a lei da liberdade. Foi mostrado inteiramente que não é limitado aos árabes ou não árabes. O progresso religioso é possível não pelo fato de as consciências serem estreitas e separadas uma da outra, mas por serem universais e amplas.

O Islam deu essa amplitude de consciência, essa ampla senda de salvação, e essa lei de liberdade a nós como presente. Bediüzzaman Said Nursi explica esse amplo panorama do Islam de uma observação contemplativa que ele teve na mesquita de Bayezid em Istambul:

Uma vez pensei a respeito do pronome “nós” oculto no versículo: “Só a Ti adoramos e só de Ti imploramos ajuda.” (1:5), e meu coração procurou a razão de “nós” ser usado em lugar de “eu”. Repentinamente descobri a virtude e o segredo da oração em congregação daquele pronome “nós”.

Vi que, ao fazer a minha oração em congregação na Mesquita Bayezid, cada indivíduo na congregação se tornou uma espécie de intercessor por mim, e à medida que recitava o Alcorão lá, todos testemunhavam por mim. Obtive a coragem da grande e intensa servidão da congregação para apresentar minha insuficiente servidão à Corte Divina.

De repente, outra realidade se revelou: Todas as mesquitas de Istambul se uniram e ficaram sob a autoridade da Mesquita Bayezid. Tive a impressão que elas me confirmaram em minha causa e me incluíram em suas orações. Naquele tempo, vi-me na mesquita terrena, em filas circulares ao redor da Caaba. Eu disse: “Louvado seja o Senhor do Universo. Tenho tantos intercessores; estão dizendo a mesma coisa que eu disse em minha oração e me confirmando.”

À medida que essa realidade foi revelada, senti que estava em pé, orando, em frente à abençoada Caaba. Tirando vantagem dessa situação, tomei as filas de adoradores como testemunhas e disse: “Presto testemunho de que não há outra divindade além de Allah; presto testemunho que Muhammad é o Mensageiro de Allah.” Confiei esse testemunho de fé à sagrada Pedra Negra. Enquanto estava depositando a confiança, de repente outro véu se abriu. Vi que a congregação em que eu me encontrava estava separada em três círculos:

O primeiro círculo era uma ampla congregação de crentes muçulmanos e aqueles que acreditavam na existência e na Unidade de Allah. No segundo círculo, vi todas as criaturas cumprindo a maior oração e invocação de Allah. Cada classe ou espécie estava ocupada com a sua única invocação e litanias a Allah, e eu estava entre aquela congregação. No terceiro círculo vi um domínio surpreendente que estava extremamente pequeno, mas na realidade, amplo na perspectiva do dever praticado e na sua qualidade. Dos átomos do meu corpo para os sentidos exteriores, havia uma congregação ocupada com a servidão e a gratidão.

Em resumo, o pronome “nós” oculto na expressão “adoramos” apontou essas três congregações. Imaginei o nosso Profeta (sallalahu alaihi wasallam) o tradutor e o propagador do Alcorão, em Madina, onde estava se dirigindo à humanidade, dizendo: “Ó humanos, adorai ao vosso Senhor” (2:21). Como qualquer outro, ouvi seu comando em meu espírito, e como eu todos nas três congregações responderam com a sentença: “Só a Ti adoramos.”9

Como Interagir com os Seguidores das Outras Religiões

No Alcorão, Allah diz:

Eis o Livro que é indubitavelmente a orientação dos tementes a Allah” (2:2).

Em seguida é explicado que os tementes são aqueles:

Que crêem no desconhecido, praticam a oração e gastam daquilo com que os agraciamos; que crêem no que te foi revelado (ó Muhammad), no que foi revelado antes de ti e estão cientes da outra vida.” (2:3-4).

No início, usando um estilo suave e ligeiramente oblíquo, o Alcorão chama as pessoas a aceitar os antigos profetas e seus Livros. Tendo tal condição desde o início, o Alcorão parece muito importante para mim quando inicia um diálogo com os seguidores das outras religiões. Em outro versículo, Allah ordena:

E não disputeis com os adeptos do Livro, senão da melhor forma.” (29:46).

Esse versículo descreve o método, a aproximação e a maneira que deve ser usada. O ponto de vista de Bediüzzaman quanto à forma e ao estilo de debate são extremamente significantes: “Qualquer um que esteja feliz com o derrotar o oponente em debate não tem merecimento.” Ele explicou mais: “Você nada ganha com essa derrota. Se você fosse derrotado e o outro fosse vitorioso, você pode ter corrigido um dos seus erros.” O debate não pode ser para o seu ego, mas para capacitar a verdade de se manifestar. Em outro lugar é afirmado:

Allah nada vos proíbe quanto àqueles que não vos combateram pela causa da religião e não vos expulsaram dos vossos lares, nem que lideis com eles com gentileza e equidade, porque Allah aprecia os equitativos.” (60:8).

De acordo com alguns, vários versículos criticam severamente o Povo do Livro. Na realidade, tal crítica é dirigida contra condutas erradas, pensamentos incorretos, resistência à verdade, criação de hostilidade e características indesejáveis. A Bíblia contém mesmo críticas mais fortes aos mesmos atributos. Porém, imediatamente depois dessa aparentemente aguda critica e desafio, muitas palavras gentis são usadas para despertar os corações para a verdade e plantar neles a esperança. Em adição, a crítica do Alcorão e a advertência sobre algumas atitudes e condutas encontradas entre judeus, cristãos e politeístas também foram dirigidas aos muçulmanos que continuam satisfeitos com os mesmos. Tanto os companheiros e os interpretadores do Alcorão concordam com isso.

As religiões reveladas por Allah se opõem fortemente à desordem, à traição, ao conflito e à opressão. O Islam, literalmente significa “paz”, “segurança” e “bem estar”. Naturalmente, baseado em paz, segurança e harmonia mundial, ele vê a guerra e o conflito como aberrações para se obter controle. Uma exceção é feita à auto defesa como quando um corpo tenta derrotar os germes que o atacam. A auto defesa deve seguir certas orientações, porém. O Islam tem sempre respirado paz e bondade. Considerando a guerra um acidente, ele estabeleceu regras para equilibrá-la e limitá-la. Por exemplo, ele toma a justiça e a paz mundial como base:

Sede firmes na causa de Allah e prestai testemunho, a bem da justiça.” (5:8).

O Islam desenvolveu uma linha de defesa baseada em princípios que protegem a religião, a vida, a propriedade, a mente e a reprodução. O sistema legal moderno também faz isso.

O Islam concorda com os maiores valores da vida humana. Ele vê o matar uma pessoa como o matar toda a humanidade, pois um simples assassinato engendra a idéia que qualquer pessoa pode ser assassinada. O filho de Adão, Caim, foi o primeiro assassino. Apesar de seus nomes não serem especificados no Alcorão ou na Sunna, aprendemos da Bíblia que a má compreensão entre Caim e Abel resultou em Caim matar injustamente Abel em um ataque de inveja. Assim, começou a época de derramamento de sangue. Por essa razão, uma tradição registra o dito do Mensageiro de Allah (sallalláhu alaihi wa sallam): “Qualquer pessoa assassinada injustamente, parte do pecado do crime é creditada ao filho de Adão, Caim, pois ele abriu o caminho da matança injusta.” O Alcorão também afirma que aquele que mata uma pessoa injustamente, com efeito, é como tivesse matado toda a humanidade, e aquele que salva outro, com efeito, é como ter salvo toda a humanidade (5:32).

O Amor, a Compaixão, a Tolerância e o Perdão: Os Pilares do Diálogo

A religião ordena o amor, a compaixão, a tolerância e o perdão. Portanto, gostaria de dizer algumas palavras a respeito desses fundamentais valores universais.

O amor é o mais essencial elemento em cada ser, a luz mais radiante, o grande poder que resiste a e sobrepuja toda força. Ele eleva cada alma que o absorve, e a prepara para a jornada para a eternidade. Aqueles que fazem contato com a eternidade, por intermédio do amor, trabalham para plantar em todas as almas o que elas recebem da eternidade. Dedicam suas vidas ao sagrado dever e suportam qualquer privação pela sua causa. Como eles inspiram “amor” com seus últimos suspiros, eles também irão respirar “amor” quando forem ressuscitados no Dia do Juízo.

O altruísmo, um exaltado sentimento humano, gera amor. Porém, quem tem a maior parte nesse amor e é o maior herói da humanidade, aquele que erradicou quaisquer sentimentos pessoais de ódio e rancor. Esses heróis continuam a viver mesmo após a morte. As elevadas almas, que diariamente acendem uma nova tocha de amor em seu mundo íntimo e tornam seus corações uma fonte de amor e altruísmo, são bem-vindas e amadas pelas pessoas. Elas recebem o direito à vida eterna de uma Corte Exaltada. Nem mesmo a morte ou o Dia do Juízo pode remover os seus traços.

O amor, o mais reto caminho para o coração de alguém, é o caminho do Profeta. Aqueles que o seguirem não são rejeitados. Mesmo se alguém os rejeitar, muitos outros os acolhem. Uma vez que são acolhidos por meio do amor, nada os impede de atingir a sua meta.

Tudo fala de e promete compaixão. Portanto, o universo pode ser considerado como uma sinfonia de compaixão. O ser humano deve mostrar compaixão por todos os seres vivos, pois isso é uma exigência do ser humano. Quanto mais pessoas mostrarem compaixão, mais exaltados se tornam; quanto mais recorrem aos erros, à opressão e à crueldade, mais são desgraçados e humilhados. Eles se tornam uma vergonha da humanidade. Ouvimos o Profeta Muhammad (sallalláhu alaihi wa sallam) dizer que uma prostituta foi destinada ao Paraíso porque, por compaixão, deu água para um cão sedento, enquanto outra foi destinada ao Inferno por permitir que um gato morresse de fome.

Perdoar é uma grande virtude. O perdão não pode ser considerado como separado da virtude, ou a virtude como separada do perdão. Todos conhecem o adágio: “Pequenos erros, grandes perdões.” Quão verdadeiro é isso! Ser perdoado significa um reparo, um retorno a uma essência de se encontrar novamente. Por essa razão, a ação mais prazerosa na visão da Infinita misericórdia é a atividade perseguida pelas palpitações desse retorno e dessa busca.

Toda a criação, tanto animada como inanimada, foi apresentada ao perdão por meio da humanidade. Logo que Allah mostra Seus Atributos de Perdão através de seres humanos individuais, Ele coloca a beleza de perdão em seus corações. Enquanto Adão, o primeiro homem, desferiu um golpe em sua essência através da queda, que é de alguma forma, uma exigência da sua natureza humana, o perdão de Allah lhe deu uma mão e o elevou às fileiras da profecia.

Quando as pessoas ficam errando montados em transporte mágico é para pedir perdão, superar a vergonha do pecado pessoal e ignorar os pecados dos outros. Jesus disse a um aglomerado de pessoas ávidas para apedrejar uma mulher: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra.” Pode alguém, que compreende essa relação de penalidade considere apedrejar alguém quando ele é também um candidato a ser apedrejado? Apenas os desafortunados que exigem que outros passem por certo teste de girassol podem compreender isso!

A malícia e o ódio são as sementes do Inferno espalhadas entre as pessoas pela maldade. Em contraste àqueles que encorajam as maldades e tornam a terra num pedaço do Inferno, devemos levar perdão àqueles cujos problemas estão os empurrando para o abismo. Os excessos daqueles que nem perdoam nem toleram os outros tornaram um ou dois séculos passados nos mais terríveis de todos os tempos. Se tais pessoas vão governar o futuro, ele será, de fato, um tempo temeroso. Assim, a maior dádiva da geração atual que pode ser concedida aos filhos e netos é ensiná-los como perdoar, mesmo em face da mais cruel conduta e mais transtornados eventos. Acreditamos que o perdão e a tolerância podem curar a maioria das nossas feridas se esse instrumento celestial estiver nas mãos daqueles que entendem sua língua.

A nossa tolerância deve ser tão ampla que possamos fechar os olhos às faltas dos outros, mostrar respeito por idéias diferentes e perdoar tudo que é perdoável. Mesmo quando os nossos direitos inalienáveis são violados, devemos respeitar os valores humanos e tratar de estabelecer a justiça. Mesmo perante os mais grosseiros pensamentos e cruéis ideias, com a precaução do Profeta e sem transbordarmos, devemos responder com a brandura que o Alcorão chama de “palavras gentis”. Devemos fazer isso para que possamos tocar os corações das pessoas, seguindo o método constituído de coração compassivo, de gentil abordagem e de conduta meiga. Devemos ter ampla tolerância que possamos nos beneficiar de ideias contraditórias, uma vez que nos forçam a conservar o coração, o espírito e a consciência em boa forma, apesar de nada nos ensinarem.

A tolerância, que algumas vezes utilizamos em lugar do respeito e da misericórdia, da generosidade e da indulgência é o mais essencial elemento dos sistemas morais. É também uma fonte muito importante da disciplina espiritual e uma celestial virtude de homens e mulheres perfeitos.

Sob as lentes da tolerância, os méritos dos crentes atingem uma nova profundidade e se estendem para o infinito; erros e faltas se reduzem em insignificância. Normalmente, o tratamento d’Aquele Que está além do tempo e do espaço sempre passa pelo prisma da tolerância, e esperamos por ela para nos abraçar e a toda a criação. Esse abraço é tão amplo que uma prostituta que deu de beber a um cão sedento atingiu a “Porta da Misericórdia” e se encontrou num corredor que se estende para o Céu. Devido ao profundo amor que sentiu por Allah e pelo Seu Mensageiro (sallalláhu alaihi wa sallam), um alcoólatra repentinamente se sentiu livre do vício e se tornou companheiro do Profeta. Com o menor favor divino, um assassino foi salvo de sua monstruosa psicose, virou-se na direção das fileiras mais altas que excederam sua capacidade natural, e as alcançaram.

Queremos que todos nos olhem através dessas lentes, e esperamos que as brisas da indulgência e do perdão soprem constantemente ao nosso redor. Todos nós desejamos nos referir ao passado e ao presente como clima de tolerância e indulgência, que fundem e transformam, limpam e purificam, e então caminhar para o futuro sem ansiedade. Não desejamos que o nosso passado seja criticado, ou o nosso futuro seja obscurecido por causa do nosso presente. Todos nós esperamos amor e respeito, esperança por tolerância e perdão, e desejamos ser cingidos por sentimentos de libertação e afeição. Esperamos tolerância e perdão de nossos pais em resposta às nossas maldades no lar, de nossos professores pelas nossas travessuras na escola, das vítimas inocentes pela nossa injustiça e opressão, do juiz e promotor na corte, e do Juiz dos Juízes (Allah) no Tribunal Supremo.

Porém, merecer o que esperamos é muito importante. Aquele que não perdoa não pode esperar perdão. Veremos desrespeito à medida que somos desrespeitadores. Quem não ama não merece ser amado. Quem não abraça a humanidade com tolerância e perdão não receberá indulgência e perdão. Quem amaldiçoa aos outros só pode esperar ser amaldiçoado por eles. Os que amaldiçoam serão amaldiçoados, e quem golpeia será golpeado. Se os verdadeiros muçulmanos continuarem em seu caminho e tolerarem as maldições com os princípios alcorânicos como: Quando se deparam com palavras vazias ou condutas impróprias, eles generosamente não fazem caso. Se você se conduz com tolerância e sobrelevar suas faltas, outros se apresentarão para executar a justiça do Destino naqueles que amaldiçoam.

A Última Palavra

Aqueles que desejam reformar o mundo devem primeiro reformar a si mesmos. Para trazer os outros para a senda da viagem para um mundo melhor, devem purificar seus mundos íntimos do ódio, do rancor e da inveja, e adornar seu mundo exterior com virtudes. Aqueles que são desprovidos do auto-controle, da auto-disciplina, que falharam em refinar seus sentimentos, podem parecer atraentes e perspicazes no início. Porém, não serão capazes de inspirar outros de forma permanente, e os sentimentos que surgem logo desaparecerão.

Bondade, beleza, honestidade e virtuosidade são a essência do mundo e da humanidade. Não importa o que aconteça, o mundo irá, um dia, encontrar essa essência. Ninguém pode evitar isso.

Notas

Esse artigo foi apresentado originalmente como um documento perante o Parlamento das Religiões do Mundo, Cape Town, dezembro, 1-8 de 1999. 

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